Palavralma


Ñe’ẽ: Alma de origem divina, palavra, fala, linguagem. Para os Kaiová: ser, personalidade, vida.

Ayvu: Alma de origem divina, palavra, falar, linguagem humana. Para os Mbyá, é o ser, a personalidade, a vida

Após um ano de intensa clausura, o de 2021, e que permanecemos sem saber o fim, de maior precarização das condições de vida e, por sua vez, do exercício da política e do espaço público, achei que seria oportuno levar comigo uma palavra que pudesse elaborar uma noção de doação e de acolhimento, uma noção de compartilhamento: uma palavra que qualquer um pudesse carregá-la no espaço que também é espaço afetivo. Assim, carrego comigo a Palavralma.


Diferente da teologia cristã que distingue a noção de alma da de corpo, a primeira como humana, mas não como corpórea,  a sabedoria guarani compreende alma com a própria noção de sujeito, é o próprio “eu” que por sua vez é palavra. Deste modo, o vocábulo ñe’ẽ pode ser tanto ‘ palavra’ como “alma”: minha palavra sou eu, minha alma sou eu: palavra-alma, Alma-palavra.

Palavralma:  alma-linguagem.





A vida como experiência de palavra. A Palavra como sopro do divino o que mantém em pé, o que humaniza. A palavra, porém, não se dá completamente pronta.

Palavralma é fundamento. É prática: prática que lavra. É cultivo, é arar. Para caminhar também é preciso cuidar do chão, da linguagem como chão do comum. Palavralma é ser interior, é lugar, é voz, é dizer , é deslocamento, é gesto. Palavras que geram ressonância, que geram identificação não por uma identidade fixa ou essencialismos, mas pela radicalidade do encontro com a diferença: palavralma, pelo afeto, pela identidade-movimento. É se deixar fecundar por outro, dessemelhante: palavras-sementes.

Ouvi pela primeira vez esta noção a partir de um encontro com a pesquisadora Suely Rolnik no qual ela trazia a noção que funda esta imaginação: a guarani, para quem palavra e alma sempre vêm juntos, não a tòa nossa garganta é nomeada como ninho de palavras.