Texto escrito para o espetáculo A gente é sútil, vocês são explícitos (2022) de Leandro Souza

Durante o período de Abril e Maio de 2022, encontrei os performers e coreógrafos Alysson Amaral e Leandro para iniciarmos nossa colaboração. Na condição de provocador da obra e na forma de acompanhamento dos ensaios, a interlocução se deu a partir de espécie de escuta da pesquisa, elaborando alguns questionamentos a partir das falas de Alysson e Leandro. Com estes encontros e a observação dos vocabulários construídos pelos performers, tanto em suas falas acerca do trabalho, como no vocabulário cênico, pude elaborar um esboço de um texto que serviu de folha de sala ao trabalho em sua estréia e nas apresentações posteriores. Um texto que busca elaborar alguns dispositivos e perguntas suscitadas na pesquisa e direção da obra de Leandro Souza.


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Texto por Haroldo Saboia, 2022

A gente é sútil, vocês são explícitos: Se não sabemos o que pode um corpo? Como saber o que pode uma palavra? O que pode um som? O que pode um gesto? Como reescrever a matéria de uma frase sem ser capturada por seus conteúdos essencialistas? Quais são os efeitos no corpo? É possível revertê-la a um instrumento poético? Afetivo? Como elaborar uma memória de marca, sem infringir novamente a marca? Portanto, de que modo discursividades elaboradas a partir de noções de captura e subalternização, podem ser disputadas? Apesar de todos estes questionamentos, é preciso lembrar que quem diz da marca, também diz do contato, da mão e da pele em ritmo, som e gesto.

A gente é sútil, vocês são explícitos: o coreógrafo e diretor Leandro de Souza opta por recuperar a frase lhe dada por outrem e homônima a sua obra. Quando se recebe algo que lhe diz respeito mas não é seu, o que se faz ? Em colaboração com o artista e intérprete Alysson Amaral propõe em cena um dispositivo crítico-clínico, na medida que revela um diagnóstico a partir da frase enunciada por uma colega europeia e também clínico, pois aponta um desvio de rota, uma alternativa. Neste caso, se a frase formulada convoca noções de identidade, nacionalidade, território, origem e percepções acerca do eu, do nós e d'eles, podemos observar que a obra dialoga com o que diz o artista plástico Cildo Meireles, quando este escreve no catálogo da exposição Information em Nova York nos anos 70 que 'não estou aqui para representar uma nacionalidade ou carreira'. Como Cildo ao demandar a não-representação, Leandro de Souza aciona presenças, molduras, conflitos, propostas de invisibilidade, dizeres opacos e fabulações de território. Quais territórios e espaços são esses que estão além da sutileza e explicitude? E ao mesmo tempo abaixo da linha do equador e a leste da linha imaginária de Tordesilhas.

A gente é sútil, vocês são explícitos: A proposta de não representação nos coloca diante de um problema para quem vê: quem está em cena? Quem são eles? São vocês? Somos nós? É a gente? E para isso, Leandro de Souza elabora um dispositivo de composição que radicaliza este enunciado em repetições de exercícios modulares e pulsantes de expansão e contração. Entre graves e agudos, um refrão em remix repete e dispara vetores por meio de tremores e giros que criam uma espécie de matéria fabular. E que assim, institui um canto estrangeiro, um idioma subterrâneo: sem significações, mas significantes, meios e medialidades composicionais. Um beat cacofônico e abismático. Se em regiões como a américa latina onde as noções de unidade nacional criam correlações entre representação e repressão, alguns corpos desterrados de suas posses, de suas línguas, do seu pertencimento, carregam apenas a memória do corpo. Deste modo, através do dispositivo proposto por Leandro Souza é possível também elaborar a reativação desta memória do corpo cujo beat do refrão emerge uma unidade mínima de memória.

A gente é sútil, vocês são explícitos: Não se trata aqui de uma natureza, muito menos de uma ontologia, mas de vocabulário que irrompe em um dizer-gesto e ritmados em composições de tempo e tom. Um vocabulário que parece compor um léxico composto de gradações, transição, corte, falha, riscos, emaranhados e dinamização. E assim, se é na linguagem onde há contágio e contaminação, é no fazer do beat cacofônico, na algaravia do refrão que se instaura esta zona escura, noturna, sem centro, mas da margem e estrangeira. E que por fim nos posiciona enquanto possibilidade de comum sob um território de ambiguidade acerca de pertencer ou não, do que estamos continuando e do que lançamos à frente.


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Em A Gente é Sutil, Vocês são Explícitos (2022), os performers Leandro Souza e Allyson Amaral, partem da fala - nós somos sutis, vocês são explícitos - de um europeu ao artista Leandro Souza, durante uma conversa sobre dança contemporânea, em 2017.

Os coreógrafos exploram as dinâmicas entre o "Nós" e o "Vocês", em uma criação tecida pelo emaranhamento entre corpo e palavra. Uma tentativa de riscar o disco, produzir cacofonias vocais e corporais, tornar evidente mecanismos de captura dos corpos e das subjetividades.


Concepção e direção Leandro Souza | Criação e performance Allyson Amaral e Leandro Souza | Provocação Carolina Nóbrega, Haroldo Saboia e Ines Terra | Trilha sonora Ines Terra | Luz Gabriele Souza | Figurino Luiz Claudio Silva | Designer gráfico Renan Marcondes | Auxiliares Técnicos Diego Soares e Matias Ivan Arce | Coordenação de produção Tetembua Dandara | Assistência de produção Mariana Dias | Fotos Mariana Chama